IX
—
Esse lugar fica a uns vinte quilômetros da cidade, é na zona rural. –
Liv lia a notícia sobre a “criatura apocalíptica que desceu dos céus”.
Ela
achou que fosse um zepelin com alguns apetrechos a mais, como algo para parecer
uma cauda, e lonas para as asas. A imagem desfocada ajudava nisso.
Mas
os magos tinham certeza absoluta que era um dragão.
O
argumento foi que a criatura estava bem perto quando o orbe foi ativado, e
desapareceram todos. E agora eles queriam de qualquer modo chegar naquela
fazenda. E aí havia o problema.
Eles
tinham uma vaga noção de como chegar lá.
—
A gente entra pela estrada que vai pra Kalium ou a que vai pra Sulphur? – Liv
olhou o irmão. Eles andavam em direção à escola.
—
Não sei, Liv. Eu nunca fui nessa roça. Algum motorista de Archie deve saber.
Ela
ponderou.
Avisaram
para a mãe que iam até a cidade naquela tarde, e só voltariam à noite. Ela
aceitou após ouvir Lílian e sua voz doce explicando que queria ir ao centro com
as lojas abertas.
Liv
abaixou o jornal e viu Archie na estrada, mais à frente. Ele sorria. O cabelo
louro bem penteado e molhado, os olhos azuis lacrimejantes de sono. Ela foi até
ele e como sempre, o abraçou. Usava um perfume forte, amadeirado, que ela
gostava.
Archie
suspirou. Ele fazia isso às vezes, mas ela não sabia dizer por que. Estava acostumada
com isso todos os dias, então não se importava.
—
Tudo bem? – ela perguntou cordialmente.
—
Tudo ótimo. Mas eles ali parecem agitados. – Archie ergueu os olhos para os
magos.
—
Ah, é isso. – Liv entregou o jornal. – essa coisa é um dragão. Veio de Raython.
—
Sério? Onde fica esse lugar?
—
Aí é que tá, não sabemos bem. Queria saber se dá pra você nos levar lá hoje.
—
Dá, mas eu tenho que avisar antes. Vou ter que voltar. – Archie olhou pra trás.
—
Mas você vai se atrasar, não? – Liv pegou o braço dele.
—
Não se preocupe. Eu peço pra me levarem. Chego lá antes de vocês. – ele riu. –
Já vou então.
Archie
bagunçou a franja de Liv e voltou pra casa pela estrada.
—
E Archibald está voltando por quê? – Theo perguntou à irmã.
—
Ele vai providenciar o nosso transporte para a roça. Aí nós nos vemos na
Academia.
Pyro
deu de ombros e voltou a andar. Lyra nem tinha parado. Estava totalmente aérea.
Lílian a olhava com uma expressão não muito boa.
Liv
pensou que ela estava se sentindo culpada por aquela confusão toda. Ela
aparentava ser forte por fora, mas por dentro era feita de vidro. Liv concluiu
isso quando ela disse que queria a família toda unida. Mesmo com Pyro e suas
brigas constantes, ela os amava. E certamente sentia falta.
Queria
ir até ela e abraçá-la, dizer pra não ficar assim e que tudo daria certo. Mas
algo lhe dizia que as palavras teriam mais efeito se fossem ditas por outra
pessoa.
Olhou
o irmão de esgrelha. Ele olhava pra cima, como sempre procurando alguma coisa
ou vendo formas nas nuvens.
Liv
queria que eles ficassem juntos. Seria engraçado.
Mas
ela sabia que seria doloroso também.
●●●
—
Onde é que nós estamos indo, hã? – Lyra apareceu ao lado de Theo no corredor.
Archie
chegou à academia cinco minutos depois do grupo a pé, e logo depois que os
sinos tocaram, eles abandonaram as bolsas na sala e desciam animados pelas
escadarias.
—
Eu disse, as aulas físicas. – Theo disse com um desânimo mortal, odiava tais
aulas. – Vamos ter que arrumar uma roupa que te sirva. E calças.
—
Por que calças? Luto melhor de saia.
—
Porque a sala toda vai ver sua lingerie? – ele arrumou os óculos.
Não seria de todo ruim.
Não seria de todo ruim?
Que pensamento é esse Theo?
—
Ah, merda. A chave de perna é mais efetiva de saia. – ela disse aquilo de
propósito, ele sabia que sim. Mas sentiu a face queimar.
—
Suponho por quê.
—
Está vermelho, que foi?
—
Nada. Absolutamente nada.
Theo
e Lyra se separaram dos outros quando chegaram à quadra poliesportiva. De fato,
Pyro e Archie foram para a esgrima e Lílian para o arco junto com umas garotas.
Conversavam alegremente.
Ele
levou Lyra até o mestre, que usava o traje próprio.
—
Mestre, a senhorita Thrower – isso soava estranho na própria voz, percebeu –
chegou semana passada e não trouxe suas roupas de luta…
O
homem era alto e corpulento. A pele era morena, algo raro por ali, e o cabelo
era bem curto. Ele olhou Lyra bem, e não hesitou. Theo também tinha reparado
que a constituição física dela era própria de uma lutadora.
—
Hm, certo. Acho que tem algum do primeiro ano lá nas estantes, Theo. Procure lá
e se não achar, me avise.
Theo
entrou e saiu do vestiário antes que Tom o visse. Infelizmente não teve
escolha. Foi obrigado a escolher arte marcial, mesmo sabendo que ficaria na
turma de Tom – e que seria saco de pancadas dele.
O
problema eram os olhos. Theo enxergava mal demais para usar um arco, e óculos
atrapalhava muito na esgrima. Era um péssimo lutador porque não podia usar os
óculos. Só não seria reprovado porque o Mestre gostava muito dele.
Deu
as roupas para Lyra e ela desapareceu. Em poucos minutos, todos os alunos
estavam reunidos em círculo.
Todos
reparando mais no fato de Lyra estar ao lado de Theo do que o fato de ela estar
ali. Tom lançava olhares malignos, como se ele tivesse roubado sua namorada.
Apanharia
mais que o normal, suas entranhas gritavam isso.
—
Thrower, não é só porque é uma mocinha que nós vamos perdoar, fique sabendo. –
Mestre Endwest começou. – Vamos ver o que você sabe fazer, hã?
Ele
era sempre bem humorado, e Theo se sentia bem com ele. Pelo menos isso.
—
Venha pra cá você e… hm… – ele olhou um por um. – Tom é um monstro, Andy vai
pegar seus peitos, Luty vai te partir feito um graveto… Theo.
Ele
gemeu baixinho.
—
Derrube ele, Thrower. – Endwest disse com um sorriso maligno. Ele tinha alguma
certeza que ela o derrubaria mesmo.
Lyra
amarrou os cabelos em coque, enquanto Theo escondia os óculos perto das coisas
do professor. Depois ele engoliu seco e foi para o centro do tatame. Ela estava
em posição correta e o cumprimentou exatamente como a regra da luta manda.
Theo
não acreditava que era exatamente o mesmo estilo. Ela estava desfocada na sua frente,
e era rápida demais. Mas ainda era bem menor.
Quando
ela tentou derrubá-lo pela primeira vez, ele se soltou com algum custo, e ela
tomou distância. Theo sentiu o músculo que ela agarrou doer. Ela era forte, forte demais, ele sabia. Na segunda vez,
ele não conseguiu acompanhar o movimento e ela o derrubou e imobilizou com
certa facilidade.
E
como se costume, os garotos começaram seus cochichos. Mas estes foram
diferentes.
—
Mas ué, até eu desmonto com uma mulher dessas né. – A voz era de Andy, um dos colegas
sem cérebro de Tom.
—
Qual é, Steamwork. É uma menina.
—
É uma menina forte. – ele engasgou.
Todos os lugares que ela tocou doíam como o inferno.
—
Levanta. – ela puxou-o pela vestimenta, e ele tentou focar seu mestre. Mas Lyra
ergueu a voz em meio ao burburinho: – Tem algo muito errado com esse cara.
—
Não, ele é péssimo nisso mesmo. – Endwest sorria. – Se não fosse obrigado nem
estaria aqui.
—
Não, ele sabe os golpes. Theo tem um
metro e oitenta, e olha esses ombros! – ela deu um tapa forte nas costas dele. – Não é isso. Ele luta bem, só que é cego. Só me percebeu quando eu estava em
cima dele. Aí fica fácil demais.
—
Pois é, disso eu sei. – Theo massageou um dos braços. Levantou a manga da roupa
e engoliu seco de novo ao ver uma marca roxa.
—
Dá os óculos pra ele e vamos de novo. – ela pôs as mãos na cintura.
—
Oi? –Theo olhou-a.
—
Mas vai cair, quebrar, sei lá. – Endwest fez uma expressão confusa.
—
Não vai, acredite. Onde está? – Lyra foi até os papéis do professor e pegou os
óculos. Andou até Theo e pôs as lentes nele.
Ela
sibilou alguma coisa, um chiado. Theo levou as mãos às hastes e tentou puxar.
Não
se moviam. Sua garganta estava muito seca, e engolir já doía. Ela prendeu meus óculos com magia, meu Deus.
—
De novo! – ela ordenou e eles recomeçaram.
Ela
era muito rápida, mas agora Theo a acompanhava muito bem. Dessa vez a luta foi
interessante, e o simples fato de vê-la melhor mudou tudo. Os garotos ficaram
calados, vendo que nenhum deles cedia. Theo sentia o corpo todo doer, mas seu
orgulho era maior.
Lyra
abriu a guarda para uma manobra, e Theo conseguiu pegá-la desprevenida. Com
dois segundos ela estava no chão, as pernas presas e as costas prensadas contra
o tatame, firmes embaixo da mão dele.
Os
olhos dela fitaram os seus por um longo momento, incrédulos naquilo. Depois ela
piscou e um sorriso diabólico surgiu nos lábios vermelhos.
—
Theo, não é por nada não – ela sussurrou – mas todo mundo tá vendo você apertar
meu peito, sabe.
Theo
acordou.
—
Que? Ah. – ele tirou a mão dela rapidamente, sentindo as bochechas queimarem.
Só então se deu conta de que estava absorto na luta e esquecera-se de tudo ao
seu redor.
—
Ah, mas ela é uma menina. Qualquer um
derruba uma menina. – Tom quebrou o silêncio de todo mundo.
—
Todo mundo menos o Steamwork. – O Mestre não costumava ter piedade. – Não sabia
que você era bom. Seus golpes são perfeitos. Tudo isso por causa de um par de
lentes? Ah, que merda. – ele cruzou os braços.
—
Machuquei você? – Theo estendeu a mão pra ela, que pegou e se levantou.
—
Você é louco? Precisa de muito mais que isso pra me machucar. – e ela
acrescentou à meia voz – Nós temos que fazer isso de novo, hã? Eu gostei.
Theo
sentiu um arrepio ao ouvir o tom que
ela disse aquilo.
—
Quer dizer que – Lyra elevou a voz, arrumando o cabelo – Só porque eu sou uma
menina é que qualquer um pode me derrubar? Por que não tenta? – Ela fulminou
Tom.
—
Vou machucar você, senhorita. – ele usou aquele tom nojento.
—
Não vai, não terá tempo. – ela retrucou, indo até o centro do tatame e pondo-se
em posição. – Anda, não quer me derrubar não?
Theo
viu os garotos ao lado de Tom cochichar qualquer coisa e darem risinhos. Depois
Tom foi ao centro e cumprimentou Lyra.
Theo
se colocou ao lado do professor e cruzou os braços.
—
Enfermaria. – ele sussurrou.
—
Você acha que Tom vai machucar ela?
—
Não, eu acho que ela vai matar Tom.
O
Mestre riu.
—
Vou ter que tirar alguns pontos de você.
—
Por quê? – Theo viu Lyra esquivar de uma investida.
—
Você acha que eu não vi né Theophilo.
Suas mãozinhas bobas.
—
Eu juro que não percebi… – ele
grunhiu.
—
Eu seeee- Hey, Thrower!
Tom
estava de bruços no tatame, com o braço direito torto pra trás. Lyra prendera
sua cabeça com um joelho, e as mãos estavam prontas para quebrarem o braço dele
em três lugares diferentes.
Lyra
soltou de má vontade e se levantou.
—
Desculpe, empolguei. A base dele é muito aberta. A cada golpe que ele dá abre
espaço pra receber cinco. Não resisti.
—
Já disse isso pra ele. – Endwest chegou perto de Tom. – Aprendeu agora,
Redworn? Depois de perder para a menininha bonitinha? Aprendeu?
Tom
tentou apoiar o braço no chão para levantar, mas urrou de dor.
—
Tá luxado aqui. Vocês dois levantem ele. Dá pra andar né? Então vai pra
enfermaria. – ele deu um tapa leve no outro ombro dele. – Depois voltem ou eu
tiro seus pontos. Você está liberada, Thrower. Steamwork também. Depois eu
calculo seus pontos. E nunca mais – O mestre se levantou – deixem o Tom se
esquecer do dia de hoje. – ele riu, e os outros riram também.
Theo
conseguiu contar meia dúzia de arroxeados nos braços. Provavelmente havia mais
nas costas, ele não queria saber deles. Esperou Lyra sair de seu vestiário, com
o cabelo molhado.
—
E agora? Os outros estão em aula ainda. – ela balançou o cabelo pra um lado e
ele começou a secar.
—
Lyra, não faça isso aqui. – ele disse num sussurro e ela soltou o cabelo. –
vamos ver Archie depois Lílian.
—
Ah é! – ela empolgou.
—
Sério mesmo que eu não te machuquei? Porque eu estou cheio de hematomas. – ele
começou a andar.
—
Não, sério. Bem, isso é comum, eu não sou tão
forte naturalmente. Forte sim, mas pra fazer hematomas e derrubar você e
Tom? Aí não né.
—
Então sua vaca, você usa magia pra
fortalecer os músculos?
Ela
riu.
—
Da próxima vez que me chamar de vaca eu faço você engolir todos os dentes,
Theo. E sim, eu usei. Tom pediu uma humilhação pública e eu tenho técnica, mas
não força pra derrubá-lo. O mesmo com você.
—
Então me deixou te derrubar?
—
Não. Juro. Você conseguiu me derrubar de verdade. – ela o encarou. – e eu quero
revanche.
Theo
não gostava daquele tom que ela usava. Era… sensual?
—
Lá está. – ele apontou a turma de esgrima.
Eles
se aproximaram e abriram caminho para ver quem estava no centro.
Os
dois estavam sem capacetes, o que Theo achou estranho. Viu Pyro e o professor,
ambos duelando numa velocidade assombrosa.
—
Hm… acho que Pyro perde. – Lyra entrou no meio entre Archie e Theo.
—
Sei não, eles estão nessa há um tempão. Sério, Pyro é incrível. – Archie estava
assustado. – acertou a turma inteira com no máximo cinco segundos.
—
Ele é acostumado com lâminas bastardas. A espada de esgrima é muito fina e
leve.
Theo
mal conseguia acompanhar. Não sabia dizer quem estava ganhando, quem estava
perdendo.
—
Touchè. – O professor quase gritou, e
Pyro parou. A ponta da espada do professor tocou seu rosto, abaixo do olho
esquerdo.
—
Nada mal. – Pyro disse, rindo.
Lyra
teve um acesso de riso, que abafou com a boca.
—
Não acredito nisso, ele rodou a turma toda com cinco segundos? – ela não parava
de rir.
—
Ele me acertou com dois. Mas por que a risada?
Theo
também não sabia.
—
Vocês não perceberam? A espada dele.
– ela ainda ria.
—
Que quer dizer com nada mal, Watari?
– O professor abaixou sua espada. Era sério, rígido e parecia ter odiado o
sorriso dele.
—
Desculpe. Eu vi que era o senhor era destro, daí usei a direita. – ele sacudiu
a mão da espada. – Eu sou canhoto.
Lyra
riu mais da expressão que Archie fez, e quase rolou no chão ao ver os olhos do
professor faiscarem, de algo entre ódio e admiração.
—
Desde quando treina? – ele pousou a ponta da espada no chão.
—
Seis anos.
—
Qual academia?
—
Um mestre da família. Mas não uso essas.
—
Não?
—
Prefiro bastardas.
—
Certo. Depois da aula eu quero falar com você, Watari. Vamos voltar aqui.
—
Vamos ver a Lílian. – Lyra puxou Theo pelo braço, e ele acenou para Archie.
—
Todos vocês são canhotos?
—
Eu não. Pyro é ambidestro, mas ele é melhor com a esquerda. Confunde mais os
inimigos. Lílian também é canhota pra arco, mas destra pra escrita. Vai
entender.
As
aulas de arquearia eram do lado de fora da Academia. Eles chegaram lá e viram
Lílian armar um arco longo, concentrada.
—
Ela não usa o arco composto?
—
Não, um arco composto é uma ofensa a um elfo. Aquelas roldanas estranhas… eles
não precisam disso. Só os braços. E os olhos.
Lílian
ergueu a cabeça, fechou os olhos. Não havia brisa. Todos fizeram silêncio. Ela
puxou a corda até o limite, com leveza. Depois soltou a flecha.
Theo
não a viu até acertar uma árvore, metros e mais metros de distância, fora da
área de alvos.
—
O que você acertou? – A professora de arco tentou focar, mas desistiu.
—
Uma fruta… Acho que acertei. Você não viu? – ela perguntou inocentemente.
—
Você é humana, Thrower? – ela riu. Alguém vai lá pegar a flecha dela, por favor?
Um
garoto largou seu arco e saiu correndo.
—
Que fruta? – Theo forçava a vista atrás dos óculos.
—
Esqueça. Os olhos dela são muito
élficos. E você é bem cegueta.
—
Eu nasci assim, não tive escolha. – Theo cruzou os braços.
Lílian
viu os dois e chegou até eles.
—
Como estão? Viram meu tiro? Eu medi a força ou eles iam me mandar pra algum
campeonato e aí eu ia me encrencar. – ela riu.
—
Se não tivesse medido…
—
Ah, minha mãe acerta alvos bem mais longe que eu consigo. Ela é bem mais elfa. E
o que deu com vocês?
—
Depois eu conto, Li. Sua flecha está voltando. – Lyra apontou o garoto, que
vinha correndo com a flecha espetada numa fruta.
—
Ah, ele se apaixonou por mim, coitado.
—
Oswald? É de se esperar. – Theo abriu um sorriso torto. – ele apaixona por todo
mundo.
—
Uma má notícia o aguarda. – ela disse e voltou para a linha de tiro.
—
Má notícia?
—
Lílian namora um capitão da cavalaria de Ethernia. O trouxa disse que só vai
casar depois que virar Primeiro-General, porque aí terá a confiança do pai dela
e um posto decente. Ele deveria saber que ninguém liga pros cônjuges dos
Imperadores.
—
Sério?
—
Aham. Pode ser um zé ninguém. Um cara de nascimento baixo ou uma rainha de
outro lugar, não importa. A mãe do vô Housenka era uma cortesã. E Lothus teve
meu avô de um caso não oficial. Ninguém liga pra isso.
Theo
ponderou. Esses fatos constavam no livro da Lenda
de Raython.
—
Vamos ficar aqui então? Tá melhor que no Pyro, aquele velho parece ser malvado.
Theo
concordou.
●●●
Lyra
viu que Tom voltou para a sala com uma expressão terrível.
Para
Theo.
Ela
não entendeu isso bem. Ele deveria estar com ódio mortal dela, e não dele. Mas
havia uma cota de raiva reservada.
—
Você vai se arrepender de ter feito isso, vadia. – ele sussurrou perto do
ouvido dela quando saíram para o almoço. Lyra ignorou.
Depois
que saíram da escola, foram até a tal fazenda citada no jornal da manhã. O
lugar era bem aberto, com pastagens. Lyra estava observando ao redor enquanto
Lílian entrevistava a senhora.
Eles
fingiam fazer um trabalho para a Academia. Os senhores caíram direitinho, e até
os deixaram circularem pela propriedade.
De
acordo com a senhora, a criatura chegou na quinta-feira, e ela acionou todas as
autoridades possíveis, ninguém acreditou. Só no sábado que a parte
sensacionalista do jornal chegou e conseguiu a foto. A criatura voou depois
disso e certamente os jornalistas nunca mais pisariam naquele solo.
—
Foi pro norte. Lá pros morros. – A mulher concluiu e Lílian terminou de anotar.
Agradeceu e disse que iria dar umas voltas.
Lyra
farejou o ar. Eles andavam há dez minutos. Pyro contava o que aconteceu com o
professor, que queria ele no circuito estudantil a qualquer custo. Ele teve que
usar magia para fazê-lo mudar de ideia.
—
Eu disse que minha doença do cabelo branco não me permitia entrar em concursos,
ela engoliu. – Lílian ia explicando.
Lyra
não prestava atenção. Havia cheiro de estrume, grama e perfume… de Theo. Mas
havia mais coisas. Uma coisa que ela queria bastante desde que chegara.
—
Vai chover. – ela sorriu largamente.
Theo
estava ao seu lado, olhou-a.
—
Não parece. Só umas nuvens.
—
Vai sim. Não agora, mais à noite. Cai muitos relâmpagos onde você mora?
—
Alguns, não muitos.
—
Podia cair bastante.
—
Não podia não.
Lyra
riu.
—
Ainda vou te fazer gostar de chuva.
Ele
sorriu também.
—
Duvido.
—
Estamos bem longe, não? – Lílian se virou.
—
Bastante, por quê? – Liv parou ao lado de Archie.
—
Vamos chamá-lo. – Pyro estalou os dedos. – se ele estiver a até cinquenta
quilômetros, virá.
Ele
começou o canto de chamado, e acabou rápido. Alguns minutos depois, ouviram
asas batendo.
Lyra
se virou especialmente para ver a expressão de Theo.
Ele
ficou pasmo. Imóvel, vendo aquele ser do tamanho de um zepelin soltar um rugido
de gelar os ossos. Era negro como ônix, e brilhava ao sol. Seus olhos eram
bolas enormes de rubi com pupilas em fenda.
Desceu
do céu suavemente e grunhiu como um cãozinho manso.
—
Ai, Varsak! – Lyra correu até ele e o abraçou. O peito de Theo contraiu quando
viu isso.
Ela
ficou tão frágil de repente. Como se encontrar o dragão fosse um refúgio. E se
não estava doido, ela parecia chorar.
Os
outros dois magos se aproximaram também, perguntando coisas complexas, como se
ele estava bem, se ferira alguém, se foi ferido. Se sabia onde estavam.
Theo
sabia que ele podia compreender tudo, mas não podia responder de modo que
humanos entendessem. Ele soltava rosnados e grunhidos. Balançava a cabeça e a
cauda. Parecia feliz em vê-los.
—
Lyra parece muito apegada a ele. – Liv estava agarrada ao braço de Archie, mas
falava com o irmão.
Theo
não conseguia dizer nada. Só olhava.
—
Lyra, apresente os garotos. – Pyro tocou o ombro dela delicadamente, e ela
soltou o dragão. Não estava chorando como Theo pensou.
—
Venham, ele não vai comer vocês.
Liv
puxou o braço de Archie pra trás, relutante. Ele a convenceu de que era seguro.
—
Varsak, esses são Theo, Liv e Archie. Conhecemo-los aqui, e eles estão nos
hospedando.
O
dragão fitou Theo por um longo momento, depois mirou Lyra.
—
Não, Varsak. Ainda. – ela levantou o indicador.
Theo
não sabia o que eles estavam dizendo, mas teve a impressão de que o dragão riu.
Duas fileiras de dentes do tamanho da cabeça de Archie surgiram. Theo afrouxou
a gravata e abriu dois botões do colete.
É um dragão, pelos infernos.
Varsak
observou bem Liv – que estava muito apavorada, agarrada à Archie como se ele
fosse salvá-la – e Archie, o imóvel. Estava memorizando bem suas aparências e
cheiros. Depois ele fungou e acariciou Lílian com o focinho.
—
Desculpe, não sentimos você. Ficou com medo, não foi? Nós também.
Como
um dragão pode sentir medo? Um dragão… o ser mais nobre e poderoso de toda a
face mágica da terra. E tinha medo? De que?
—
Não podemos levar você. – Pyro tocou-o. – Os pais deles teriam ataques. Você
está escondido onde?
Varsak
apontou um morro coberto por algumas árvores.
—
Você terá que ficar aqui até acharmos o orbe e voltarmos pra casa. – Pyro
continuou. – Está caçando direito?
Ele
assentiu, triste. Provavelmente queria voltar com eles. Voltar pra casa.
—
Nós temos que ir. Até chegarmos em casa já anoiteceu. – Lyra abraçou-o de novo,
com força.
Theo
teve a impressão de que ela estava mortalmente triste por ter que deixá-lo.
●●●
Theo
se levantou definitivamente quando o estalo do raio chegou a seus ouvidos.
Lyra
estava certa, começou a chover torrencialmente meia hora depois que eles
chegaram em casa. Theo não gostava de raios, e aquela tempestade não o deixava
dormir. A cada cinco segundos caía um, e
muito perto dali.
Foi
até a janela e puxou a cortina. Não viu nada, apenas escuridão, e barulho de
água caindo.
Outro
raio cruzou o céu e iluminou a área.
E
Theo descobriu por que eles estavam caindo ali.
●
Os
raios caíam como água morna na cabeça de Lyra. Esperava uma tempestade desde
que chegara naquele lugar. A sensação era indescritível, e limpava a mente.
Ela
precisava clarear as ideias sobre muitas coisas. Já não se preocupava com o que
dizer ou fazer quando voltasse à Raython. Isso seria de improviso. Agora se
preocupava mais com Varsak e encontrar o orbe.
E Theo.
Suspirou,
e água fria passou por sua boca. Estava em dúvida quanto ao irmão de Liv, mas
ele a surpreendeu naquela luta. Ele havia se esquecido de que ela era uma
garota, que ela era mais forte, esquecido tudo. Era só ele e um oponente.
Aquela
concentração era digna de guerreiros poderosos, e Lyra gostou muito disso.
Inclusive das pequenas marcas arroxeadas nas suas costas, que ela curou com um
passar de dedos.
Ela
não se esquecia daquele olhar concentrado, os olhos verdes faiscando. Theo
seria um ótimo cavaleiro, se bem treinado.
Mas
naquele mundo não havia cavaleiros. Havia engenheiros,
coisa que Theo também não queria ser, até onde sabia.
Mas
havia coisas mais importantes a se tratar. Lílian e Pyro andariam pela cidade
no outro dia. Archie recomendou para que eles revezassem nas saídas, para
ninguém sentir falta, e haver desculpas mais fáceis.
De
modo algum eles deveriam chamar atenção suficiente para colocar pais no meio. E quando há muitas faltas,
indaga-se o por que.
Mais
um raio caiu, e ela olhou pra baixo. Teria que achar um jeito de se secar antes
de entrar na casa de novo. Logo faria isso.
—
Lyra!
Ela
ergueu a cabeça. Depois se virou e quando o céu se iluminou, ela viu Theo na
varanda. O que ele fazia ali? Podia dormir como todo mundo, não?
Ela
andou de volta. Ia despachá-lo e tomar mais chuva.
Ou
tentaria.
—
Por que por todos os infernos você está embaixo dessa maldita chuva?! – o tom
dele lembrou o de seu pai, apesar de que ele nunca brigou por ela servir de
para-raios.
—
Por que eu quero. – sua voz estava diferente, não soou como queria que soasse.
Saiu mais solene que firme.
—
Passa pra dentro, anda. – era uma ordem. Ele estava irritado.
Lyra
achou aquilo interessante.
—
Por que deveria? Você não é meu pai, por favor.
—
Você pode, sei lá, adoecer!
—
Não vou adoecer por ficar embaixo de chuva.
—
Não? Você está tremendo. – ele tocou o rosto dela com as duas mãos. Estavam
quentes. Só então percebeu que realmente tremia.
—
Talvez, um pouco… mas vou molhar isso tudo aí.
Theo
entrou na casa e saiu rapidamente. Passou uma toalha em seus ombros.
—
Seque-se.
Ele
realmente estava com raiva.
—
Isso me faz bem, caso não saiba. Os raios, digo. – ela abaixou para secar os
pés descalços.
—
Sei.
—
Então por que a irritação?
—
Não sei. Entre.
Ela
franziu o cenho. Não sabe? Era essa a
resposta dele? Lyra entrou ainda com a toalha nos ombros. Sacudiu o cabelo para
que secasse um pouco, e não pingasse no tapete. Theo trancou a porta e subiu as
escadas.
Quando
ela ia entrar para o quarto, ele pediu que esperasse, e voltou com uma camisa.
—
Vista isso. Acho que não vai conseguir encontrar roupas secas no escuro.
Ela
queria argumentar que conseguiria sim, mas só concordou.
Lyra
ficou em silêncio algum tempo. Só podia ver a silhueta dos ombros e um traço do
verde dos olhos.
—
Eu te assustei? – perguntou.
—
Um pouco. Deixa pra lá. É que eu não gosto de chuva.
—
Eu ainda vou te fazer gostar dela. Até amanhã.
Lyra
se virou e entrou no quarto das meninas. Mas ainda pôde ouvir Theo murmurar.
—
Não, você vai me fazer odiar ainda mais.
●●●
Lyra
não teve problemas para explicar por que estava com uma camisa de Theo naquela
manhã.
—
Ah, nós dois saímos na chuva e nos amamos a noite toda no meio da lama à luz de
raios. Foi muito bom.
Logo
depois ela teve que escorar numa parede para não cair no chão de rir das
expressões de Lílian e Liv.
Theo
não parecia com raiva dela mais. A manhã ficou cinza e com algumas chuvas
leves. Antes de sair da escola e encontrar seu irmão e Pyro, à tarde, Lyra
disse que cuidaria de coisas de mulher e saiu de perto de Archie e Theo para ir
ao banheiro daquele andar.
Retocou
bem o batom vermelho que sempre usava, e ouviu um estalo de porta sendo
trancada.
Olhou
para sua direita e piscou, tentando achar algum motivo plausível para Tommenson
Redworn estar ali, olhando pra ela com sua cara feia e sardenta.
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Não, não tem nada aqui.
Sim, é um paradoxo porque é um easter egg dizendo que não há easter egg. Mas será que não há mesmo?
mind blow.
Não, não tem nada aqui.
Sim, é um paradoxo porque é um easter egg dizendo que não há easter egg. Mas será que não há mesmo?
mind blow.
E os jogos começaram \õ/
Well, se você está perdido, gafanhoto, a luz está nessa minha journal do DeviantArt. E, claro, nas imagens escondidas.
Well, se você está perdido, gafanhoto, a luz está nessa minha journal do DeviantArt. E, claro, nas imagens escondidas.
Lembrando os pdf's tem uma imagem diferente e o primeiro tem a Apresentação :3
até a próxima minha gente.
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