O Orbe de Reidhas, Spin-off #1 | Capítulo XXXII

Chris, ferrado as always



XXXII 

— Acho melhor você sair daqui se quiser viver, Estorvo. – Lyra disse depois que Chris cruzou a porta. – Não conheço esses autômatos, e acho que são daqueles que Pyro disse serem, hã, mais fortes.
— Preocupado comigo, princesa? – ele quase riu. – não queria me matar?

— Então. Eu quero te matar. Não posso deixá-los fazer o favor. –Lyra olhou a lâmina que Chris lhe deu. Cobriu-a com mais magia.
Eram dois. Um chute derrubou Pyro. Os lábios dela se torceram numa linha fina. O general atrapalharia se ficasse perto dela, mas seria útil se encontrasse uma brecha para atirar em algum ponto vital.
O que poderia ser o ponto vital daquelas coisas? Onde havia placas de metal protegendo, certamente.
O peito era coberto, e parte do abdômen. As rótulas, e os pés, além da cabeça. Fora isso era tudo tubos, músculos metálicos fortes. Não sabia onde atacar, e se amaldiçoou por não ser tão esperta quanto o irmão. Pyro certamente conhecia os pontos fracos das criaturas. Devia ter perguntado a ele.
Podia sentir a magia dele dois andares acima. Ainda estava naquela sala. Lyra mordeu o lábio e flexionou os joelhos.
— Se encontrar uma brecha, general, atire.
— Se você estiver na frente?
— Não importa. – ela desdenhou. – Como se você ligasse pra mim.
— Você é um ótimo objeto de pesquisa. Você e seu povo… que um dia quero conhecer, claro.
Lyra riu.
— Você diz como se fosse sair daqui vivo, Estorvo! – e ela deu um passo à frente.
Foi o que McMillan viu. Ela deu um passo à frente e desapareceu. Para surgir atrás daqueles autômatos, dez metros à frente.
Velocidade ou teletransporte? Não havia como ele saber. Seus olhos eram fracos para acompanhar tudo. Ela atacava e desaparecia, surgia em outro ponto da sala. E fazia isso a cada instante, como uma mosca rodeando uma pessoa.
Uma das máquinas atacava, a outra observava. Olhou ao redor, e seus olhos pararam em McMillan, que praguejou. Esperou um ataque, uma investida, qualquer coisa, mas não houve nada. O autômato apenas mudou a forma da mão para uma espada, e passou a atacar Lyra.
O general devia acertar um ponto vital das criaturas. Claro que passava algum fluido por aqueles tubos, e se os cortasse… conferiu as balas que tinha. mais de vinte. Um de seus tiros precisava acertar o pescoço daquelas coisas.
Viu uma máquina dar um chute alto, e Lyra bloquear com os braços.
A garota voou por alguns metros, e parou no chão, mordendo o lábio.
Merda – McMillan pensou. Precisava da garota inteira, ela era a garantia de que sairia dali vivo. E quanto a ela querer matá-lo depois, ele tinha seus truques. Mas a fratura que viu no braço dela era um problema.
McMillan aproveitou a distração dos autômatos para mirar. Uma arma de mão não seria a coisa ideal, mas sua mira era – modéstia à parte – perfeita.
Atirou, acertando o pescoço de uma das coisas, como queria.
A cabeça tombou pra trás, e Lyra soltou uma exclamação um tanto dolorida, desaparecendo. Surgiu atrás do autômato, munida de uma esfera de energia. Desprendeu-a, e desapareceu de novo.
A cabeça explodiu dessa vez, mas Lyra surgiu e caiu de joelhos, segurando o ombro esquerdo. McMillan viu uma mancha de sangue crescer ali, e ouviu as pragas e impropérios. Aquele era o braço fraturado, e agora tinha uma perfuração terrível. O general olhou o autômato remanescente, que espanava o sangue dela de sua mão-espada.
Aquela garota ia morrer.
E isso era tudo que ele não queria.
Pôs-se a pensar sobre o lugar onde estava, a base secreta de Cadmia. Recebeu um belo dossiê sobre o que eles faziam naquele subsolo. Além de armazenar um daqueles cilindros experimentais, eles faziam outras armas, outros…
Explosivos.
Mandar tudo aquilo pelos ares, com Fairmount, os magos, os autômatos, todos os demônios direto para o inferno? Era tentador demais para Johannes resistir.
Onde estavam os experimentos? Não decorara o mapa do dossiê, lembrava vagamente de tudo.
— Thrower! – Chamou. Ainda lembrava o último nome dela, claro. Ainda queria saber onde ficava o reino da fantasia, e destruir tudo.
Dragões não são coisas que devem existir. Talvez mísseis antiaéreos os derrubassem. Dragões, gnomos, magos e qualquer outra coisa que exista naquele lugar amaldiçoado. Mas isso ficava para o futuro.
A prioridade era exorcizar aqueles demônios e sair dali vivo.
— O que foi? – ela surgiu a seu lado, e gemeu ao tentar voltar o osso para o lugar. Não conseguiu.
— É assim, idiota – Johannes torceu a fratura e ela gritou. – Pode ocupá-los? Tenho um plano.
— Pra que?
— Mandar isso tudo para os infernos.
Lyra tentou rir.
— Claro que posso. – a mão dela que segurava o braço quebrado emitia um brilho verde, que logo cessou.
E então ela mexeu os dedos, observou o osso, flexionou. Ou Johannes estava louco, ou então ela consertou a fratura.
— Está aí ainda olhando o que? – ela vociferou, e McMillan correu.
Precisava encontrar aqueles explosivos.


— Eu vou ficar aqui. – Tom disse.
Os dois magos olharam para ele. Não esperavam aquilo.
Lílian trocou o arco de mão e ponderou.
— Creio que seja melhor você ficar mesmo, Tom. Aqui ou lá em cima, com Varsak. Não há muitos autômatos nesse andar… mesmo assim, fique com ele, Pyro. – ela o olhou.
— Não. E Lyra? E todo mundo lá embaixo? Não posso ficar aqui…
Ele ficou de costas para Tom na discussão, que viu as cicatrizes. Eram queimaduras, largas, cobriam boa parte das costas. A pele parecia grossa, retorcida, escura. Tom franziu o cenho e olhou seu próprio braço.
Nele, havia uma das cicatrizes que Lyra deixou. Menor, mas igualmente escura e retorcida.
Fogo não o fere – lembrou-se do que Lyra disse. Se aquilo não era fogo, só podia ser… eletricidade.
Não foi o único então. Quantos foram? O próprio irmão. Realmente havia pessoas cruéis no mundo…
— Pyro! Olha bem pra você!
— São só arranhões, Lílian! Você sabe que eu estou acostumado a apanhar, não sabe?
— Preste atenção. – ela ergueu a mão. – Luce está no último andar subterrâneo. Chris acabou de entrar lá. Cat também está lá. Lyra está no andar de cima, com aquele general. Nós estamos aqui, e Varsak, no térreo. A sala onde Lyra está é uma espécie de ninho, há autômatos por todo lado, mas parados. Ela está lutando com dois… um. O outro caiu. E aquele lugar não é o único ninho. Ainda há mais um, e ele está no andar abaixo deste. Há outra passagem que vai ao térreo, os autômatos estão subindo por ela para abaterem Varsak, e são maiores ainda que aqueles que você enfrentou.
— Que quer dizer com tudo isso?
— Eu vou ao ninho, e cale a boca! – ela ergueu o dedo, interrompendo o que Pyro ia dizer – e você vai pegar o Redworn e subir para o térreo auxiliar Varsak. Assim que eu der um jeito naquele lugar, vou auxiliar Lyra.
Pyro cruzou os braços, pensou em contestar.
— Isso é uma ordem. – o tom de Lílian se aproximou ao de Lyra. Firme, certo do que faz. Os olhos verdes estavam afilados, o cenho franzido.
Pyro cedeu.
— Certo. Mas saiba que – ele ergueu um dedo – quando aqueles lá em cima acabarem, eu vou voltar aqui. E só vou fazer isso por causa de Tom. – abaixou o braço e andou até a porta.
— Wataris, pff. – ela bufou.
— Throwers, pff. – ele rebateu. – Vamos.
Tom ainda viu Lílian desaparecer pelo buraco, e saiu com Pyro.


A sala estava vazia, bem iluminada. Placas de metal do chão ao teto, claras.
No centro da sala havia alguém de costas. O coração de Chris disparou por segundos ao ver.
Era Cat.
Ou deveria ser.
— Luce. – suspirou. Não, estava longe de ser Cat. O cabelo armado e os óculos, até as sardas eram as mesmas, mas ainda assim…
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Tão fácil descobrir? – sorriu.
Chris deu de ombros, colocando as mãos nos bolsos.
— Os ombros. São mais caídos, um pouco pra frente, sabe? Por causa… dos seios grandes. E também… Cat sairia correndo e pulando em cima de mim, meio… histérica.
— Sim. Não reparei os ombros. De qualquer modo, não gosto dessa forma.
— Da forma ou de Cat?
Luce riu.
— Dos dois. Eu… sem querer vi as memórias dela.
Chris ergueu as sobrancelhas.
— Onde ela está?
— Podemos parar de falar dela? Irrita-me. Tudo nela irrita-me.
— Tem ciúme dela? Só porque eu… fiquei com ela, porque eu gosto dela?
— Sim. – Luce torceu o rosto e mudou a forma novamente, assumindo aquela idêntica a Chris.
— De novo, Luce. Onde ela está? – ele perguntou pausadamente.
— Não a matei, se quer saber.
— Sei que não. Sei que você consegue sentir minhas emoções. E você sabe que se machucá-la, não terá meu perdão.
Ele olhou o chão, como uma criança recebendo o sermão do pai.
— Não vou te dizer onde ela está. – disse.
O timbre sem emoção de sua voz era estranho aos ouvidos de Chris. Viu que ele realmente não ia dizer onde ela estava, então deixou isso de lado. Ela estava viva, isso importava. Lílian podia encontrá-la depois.
— Vamos mudar as perguntas então, Luce. Por que fez tudo isso?
Chris foi incisivo. Disse firmemente, como se ele tivesse o controle da situação. Disse com a força que seu pai dizia quando queria intimidá-lo. Se Luce dizia ser seu filho, então o trataria como tal.
— Por você – ele ainda não levantou o rosto – e por mim.
— Por mim? Todas essas mortes? Você tem noção do que fez nesses últimos dias? Quando lhe foi concedido o direito de tomar vidas?
— Quando me foi privado o direito de crescer. – ele ergueu o rosto, os dois pares de olhos idênticos se olharam.
Claro, Chris. A culpa sempre volta para você no final.
— Eu quis impedir o que aconteceu, sabia? – Chris andou até Luce, parando a poucos centímetros dele. – Isso tudo, essas pessoas morrendo, esse… caos. Não queria que nada disso acontecesse.
— Eu sei.
— Então por quê?
— É como uma grade de ferro velha, pai. Se você quer pintá-la, com uma cor nova e mais bonita, você tem que tirar toda a tinta antiga, ressecada, rachada. – ele abriu os braços. – você consegue ver? O mundo inteiro está ressecado, como a tinta velha…
Chris não se assustou. Se Luce passou um dia – ou só algumas horas – rondando Rhenium Valley, a conclusão seria essa.
Reconstruir o mundo. Era algo tão utópico, tão fantasioso. Talvez mais fantástico que aquele dragão no térreo.
— E então, você quer ser o pintor dessa grade? – Chris fingiu se interessar.
— Sim. – sorriu. – eu quero que tudo fique perfeito… e todos que te fizeram mal… deixem de existir. E esses magos que querem levar meu coração também.
Chegaram ao ponto. O coração.
— Luce…
— E então – ele interrompeu – seríamos só nós. Eu não queria a mulher, mas acho que você faz questão.
— O Orbe não é seu, Luce. Nem meu. É deles, dos magos. – Chris ignorou.
— Não, pai. Você o encontrou, não foi?
— Mas eu queria… devolvê-lo. Queria conseguir outra energia para você, e entregar o orbe aos garotos. Para eles voltarem pra casa.
— Não. Eles não podem tomá-lo. – Luce se afastou. – eu vou morrer se ficar sem meu coração, eu… preciso matá-los. Você querendo ou não. Preciso destruir aqueles que me impedem de crescer. E eles vão impedir…
— E se… se eu quiser te impedir? Da primeira vez você me feriu, você fugiu, eu fiquei desesperado, Luce. Eu não queria que eles te encontrassem. E veja. Você chamou o exército, chamou gente demais…
— Sim. – ele assentiu. – e quanto mais, melhor.
Chris franziu o cenho, fingindo ignorância. Sabia o que Luce queria.
— Por quê?
— Para destruir todos de uma vez só.







0 comentários:

Postar um comentário